Aplicativos, carreira, concursos, downloads, enfermagem, farmácia hospitalar, farmácia pública, história, humor, legislação, logística, medicina, novos medicamentos, novas tecnologias na área da saúde e muito mais!



quarta-feira, 6 de abril de 2011

Dose segura de cafeína em energéticos ainda é incerta

Um século depois do julgamento da Coca-Cola, limite da cafeína em bebida ainda é discutido

A mais recente batalha na guerra da cafeína – envolvendo altos níveis da substância nas chamadas bebidas energéticas, especialmente aquelas consumidas por crianças – lembra uma das primeiras.


Ela aconteceu faz um século, numa corte em Chattanooga, Tennessee. O julgamento ocupou manchetes por várias semanas e produziu pesquisas científicas que duram até hoje – mas sem gerar limites federais para a cafeína em alimentos e bebidas.

Esses níveis continuam praticamente sem regulamentação hoje. Como dois pesquisadores escreveram no “The Journal of the American Medical Association”, bebidas energéticas não alcoólicas “podem representar uma ameaça tão grande para a saúde e a segurança pública e individual” quanto as bebidas alcoólicas e “são necessárias mais pesquisas capazes de guiar ações de agências regulatórias”.

Ninguém usava o termo “energético” em 1911, mas a bebida que estava em julgamento em Chattanooga continha a mesma quantidade de cafeína que o Red Bull moderno – 80 mg por porção.

A bebida era a Coca-Cola. Harvey Washington Wiley, o “químico cruzadista” que liderou o Bureau de Química do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, havia aberto um processo judicial contra a Coca-Cola Co., acusando-a de adulterar a bebida ao adicionar um ingrediente prejudicial: a cafeína (os níveis atuais de cafeína da Coca-Cola são bem mais baixos).

Preparando sua defesa, a empresa encontrou uma lacuna na pesquisa existente sobre a cafeína: “Quando os cientistas observaram os dados, viram todos aqueles estudos animais, mas não tinham os dados humanos necessários”, afirmou Ludy T. Benjamin Jr., professor de psicologia da Texas A&M University, que estudou o julgamento. “Então, eles buscaram alguém que pudesse gerar dados humanos, e rápido”.

A Coca-Cola contratou um instrutor de psicologia da Barnard College, chamado Harry Levi Hollingworth. Ele reuniu 16 participantes, com idades entre 19 e 39, incluindo usuários ocasionais, moderados e regulares de cafeína, assim como abstêmios. Num apartamento em Manhattan alugado para a pesquisa, ele testou as habilidades mentais e motoras sob diferentes níveis de uso de cafeína e abstinência. Os participantes tomaram cápsulas de cafeína e placebos – era um estudo duplo-cego, pois sem os participantes, nem os pesquisadores sabiam quem tomava o quê – e “refrigerantes de máquina” com e sem cafeína. Com a aproximação do julgamento, Hollingworth fez tudo isso em apenas 40 dias.

Os participantes mantinham boas anotações. No dia 22 de fevereiro, um usuário regular de cafeína estava livre da substância: “Me senti cabeça-dura o dia todo. Minha cabeça estava mais lerda que o normal”. No dia 25 de fevereiro, um abstêmio consumiu 260 mg de cafeína, o equivalente aproximado a uma xícara de 355 ml de café do Starbucks: “Melhora gradual no humor até 16h. Depois, um período de exuberância, de bem-estar. Ideias extravagantes”.

Hollingworth descobriu que doses moderadas de cafeína estimulavam o desempenho dos participantes em alguns testes, embora alguns tivessem sono insatisfatório após as doses mais altas. Sua presença no julgamento, no dia 27 de março de 1911, foi um ponto alto no processo que durou quatro semanas, dominado por depoimentos anedóticos, contraditórios e desleixados.

“O depoimento de Hollingworth foi, de longe, o mais interessante e técnico”, reportou o “Chattanooga Daily Times”. Porém, o júri nunca emitiu um veredito baseado na ciência, pois uma semana depois o júri concedeu à Coca-Cola um pedido de anulação (após anos de apelos, o caso foi resolvido com um “nolo contendere”).

Hollingworth compilou seus estudos num livro de 1912 que usou uma grafia contemporânea para a substância: “The Influence of Caffein on Mental and Motor Efficiency”. Um editorial do “The Journal of the American Medical Association” daquele ano dava boas-vindas à pesquisa: “É gratificante ter os efeitos sobre o sistema humano de uma droga como cafeína tão investigados por testes científicos rigorosos nas mãos de pesquisadores capazes. Somente desta forma haverá base adequada para conclusões corretas quanto aos possíveis perigos do uso de bebidas contendo cafeína”.

No mesmo jornal, no mês passado, os dois pesquisadores, Amelia Arria, da Universidade de Maryland, e Mary Claire O’Brien, da Wake Forest University, citaram preocupações quanto aos efeitos de bebidas energéticas sobre o sono, pressão arterial e padrões de dependência, e seu uso em coquetéis. “É preciso mais pesquisa, em particular para guiar o processo decisório de agências regulatórias relacionadas ao estabelecimento de um limite máximo cientificamente validado sobre a quantidade de cafeína que um fabricante pode incluir numa única porção de qualquer bebida”, escreveram.

Como o caso de Chattanooga foi descartado, o júri não emitiu nenhum veredito sobre as questões mais amplas discutidas na corte: Que quantidade de cafeína pode ser considerada um exagero? É diferente quando a cafeína é adicionada a bebidas, em comparação à substância naturalmente presente no café? Seu consumo forma hábito? As bebidas podem ser comercializadas para os jovens? Como o governo federal deve regulá-la? Diante de uma nova geração de bebidas com concentrações mais altas de cafeína, tamanhos maiores e fórmulas mais complexas do que a Coca-Cola de 1911, os americanos hoje estão discutindo as mesmas questões. “Não sei se Hollingworth ficaria surpreso”, disse Benjamin, “mas aposto que ele se divertiria com isso”.

*Murray Carpenter

Nenhum comentário:

Postar um comentário