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quinta-feira, 23 de junho de 2011

“Integração entre Público e Privado é necessária e irreversível”, diz Gonzalo Vecina

“Nunca foi tão moderno envelhecer”. A frase dita por um dos grandes pensadores da saúde no Brasil, Gonzalo Vecina Neto, é de um músico brasileiro. Mas, segundo o médico, traduz o momento atual da saúde no País, onde há pessoas envelhecendo e mudança de um perfil de doenças agudas e infecciosas para as patologias crônicas. Estes são apenas alguns dos desafios a serem enfrentados. E para buscar a sustentabilidade, Vecina diz que a integração entre o sistema público e privado é necessária e irreversível. “Hoje jogo com o computador”, é o que responde Gonzalo Vecina Neto sobre o xadrez, hobby que já lhe rendeu vitórias e que a falta de tempo tem restringido sua prática ao computador.

Outras particularidades deste sorocabano são a torcida pela Portuguesa e a atuação como médico do Esporte Clube Paulista de Jundiaí, cidade onde se formou, no interior de São Paulo.

Essas são algumas características menos conhecidas de Vecina Neto, cuja trajetória no setor de saúde incluí a presidência da Agência Nacional da Vigilância Sanitária e a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde. Médico sanitarista, gestor e docente, Vecina Neto também liderou a Secretaria Municipal de Saúde. Atualmente está à frente de uma dos hospitais referência em média e alta complexidade no Brasil, o Sírio-Libanês, onde ocupa o cargo de superintendente corporativo.

Lá, ele admite ter “uma sensação de oxigenação”, pois as decisões são construídas coletivamente e as ações são executadas de imediato, quando comparado ao setor público, onde está envolvido com projetos de expansão. Cotado para o cargo de ministro da Saúde, Gonzalo afirma que não existiu convite e que seu futuro está atrelado aos compromissos do Sírio-Libanês, às aulas na Faculdade de Saúde Pública da USP e ao pensamento e discussão da saúde coletiva.

Fornecedores Hospitalares: Você tem grande experiência na área pública e atualmente está à frente do Hospital Sírio-Libanês, que é outra realidade se comparado ao hospital público. Como é lidar com recursos e realidades tão diferentes?

Gonzalo Vecina: No setor privado, de uma maneira ou de outra está se buscando o equilíbrio da organização. As pessoas costumam simplificar falando que se está buscando lucro. Nenhuma organização sobrevive se estiver buscando lucro, as organizações sobrevivem porque atingem os objetivos pelos quais foram criadas com sustentabilidade.

No caso da administração pública, a questão política tem que se encaixar em um conjunto de ações do estado para gerar bem-estar social, o que torna o processo decisório extremamente complexo.

Tem a discussão do bem comum e como ela acontece dentro da sociedade. Esta discussão sobre o que faz as pessoas se sentirem felizes a partir da ação do Estado, ou seja, a construção do estado de bem-estar social, é uma das discussões mais importantes do ponto de vista político para orientação do Estado, mas ela é muito complexa por causa dos inúmeros participantes desse processo de construção da decisão. Aí também tem a questão da corrupção e do clientelismo, que faz parte da vida do estado brasileiro, ainda. Todos os países têm, em algum grau, certa quantidade de corrupção.

Eu acho que é muito mais difícil gerenciar o setor público. Eu que vim do setor público para o setor privado tenho uma sensação de oxigenação, porque as decisões são construídas coletivamente, como eu acho que deve ser uma organização complexa como é um hospital moderno. E após a decisão existe a execução. Então, é muito mais simples dirigir uma instituição privada do que uma instituição pública.

FH: Qual sua avaliação sobre o Sistema Único de Saúde? Com mais de 20 anos de sua criação, em qual momento estamos?

Vecina: Morre-se menos e vive-se mais. É indubitável. A mortalidade infantil no Brasil há 20 anos estava em torno de 40 mortes por mil nascidos vivos; hoje, está abaixo de 20 mortes por mil nascidos vivos.

A expectativa de vida estava bem abaixo de 70 anos, hoje está em 73 e 74 anos para homem e mulher, respectivamente. O Brasil tem um excelente e um dos melhores programas de imunização do mundo. Tem o segundo maior programa de transplante de órgãos do mundo, tem certamente um dos mais eficientes processos e programas de tratamento de pacientes portadores do vírus HIV. A revolução foi fantástica.

O SUS é certamente, de todos programas que o estado brasileiro desenvolve, emtre saneamento, educação, transporte, segurança, justiça, o que mais inclui pessoas na sociedade. Ou seja, o grande problema do Brasil é a exclusão social e o número de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza, que precisamos trazer para cima.

Universal e gratuito, ele não diferencia o pobre do rico, aliás, isso é um problema. Deveria diferenciar quem precisa mais e conseguir dar mais a quem tem menos. Mas é óbvio que o SUS precisa crescer, o SUS é um programa importantíssimo, mas precisa melhorar. Ele é bom, mas não é bom o suficiente, ele está subfinanciado, sob qualquer ângulo que se olhe.

O Brasil gasta R$ 1400 per capita para tratar os 43 milhões de brasileiros que têm plano de saúde. Com 150 milhões de brasileiros do SUS, se gasta R$800 per capita ano. Qualquer país do mundo desenvolvido gasta mais de US$2500 per capita ano. Os Estados Unidos são um desastre, gastam US$ 8 mil per capita ano. Precisamos colocar mais recursos na equação da saúde, precisamos de mais gestão. Não é mais gestão ou mais dinheiro, é uma coisa e outra. Não existe um dilema, primeiro isso e depois aquilo, está errado. É um falso dilema isso. Falta dinheiro e falta gestão.Temos que equalizar o sistema de saúde.

FH: Diante do cenário de envelhecimento da população, o que precisa ser mudado no SUS?

Vecina: Nosso sistema de saúde está voltado para um conjunto de doenças e um perfil de população anterior a década de 90, quando morríamos mais de doenças infecto-contagiosas. Agora, como diz o Arnaldo Antunes, “não existe nada mais moderno do que envelhecer”, e o envelhecimento tem outros tipos de doença: câncer, acidente vascular cerebral, enfarto do miocárdio, diabetes. São as doenças crônicas e o sistema está preparado para atender doenças infecciosas e doenças agudas. Temos que manter a capacidade de atender urgência e emergência, mas mudar o sistema de saúde para que ele possa atender doenças crônicas, que exigem cuidados contínuos. E tem que ser cuidado contínuo com base tecnológica, com gasto baixo, e que atenda à condição de estar presente sempre e isso exige uma renovação do modelo de atenção à saúde.

Temos que conseguir integrar o público e o privado. Não dá para continuar sendo assim, do lado de lá, a medicina supletiva e do lado de cá, o SUS. Isso não cria economia, não aproveita as possíveis sinergias que poderíamos construir. Temos que ter condição de aumentar a capacidade indutiva do estado na produção ciência, tecnologia e inovação.

Hoje cerca de 10% da mão de obra do Brasil trabalha no setor de saúde, 8% do PIB brasileiro vem da indústria de saúde. Então, temos que aproveitar essa capacidade que a indústria de saúde tem de gerar empregos e valor, mas para isso tem que ter capacidade indutiva. Por um lado, do estado, e do outro lado, um empresário diferente. Um empresário que saia da sombra e vá para o sol do mercado e se arrisque contratando doutores, criando centros de tecnologia para transformar inovação em produtos lucrativos. Temos que melhorar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, para que ela atrapalhe menos os pesquisadores e a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa seja menos empecilho à realização de pesquisa.

FH: O Brasil está em um momento, que enfrenta epidemias como a dengue e também há doenças como a obesidade. São doenças totalmente diferentes em um único País. Como resolver essa equação?Vecina: Essa equação se resolve com medicina baseada em evidências, com novos guidelines. Temos que mudar o jeito de fazer medicina e fazer gestão de doenças porque 20% da população brasileiras é hipertensa, 10% é diabética e o número de pacientes com sobrepeso aumenta. Este é um fator que complica tanto a diabetes como a hipertensão. Isso exige um novo modelo de atenção à saúde, um modelo voltado para gestão de doença e, eventualmente, como existem pacientes com morbidades e mais de uma doença, um sistema que também tenha condição de identificar pacientes mais complexos e fazer a gestão de doente. E esse sistema de atenção básica tenha condição de atender o grosso dessa população doente na fase em que ainda não tem complicações importantes. É um novo modelo e precisamos fazer isso.

FH: Você falou da integração do sistema público com o privado, qual a sua opinião sobre o projeto de lei que destina 25% dos leitos públicos a pacientes com planos em São Paulo?

Vecina: Acho que é um remendo. Com certeza, nos hospitais públicos são atendidos planos de saúde. Como a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não consegue cumprir a lei e fazer com que os planos de saúde façam esses ressarcimentos no atacado, o que a lei está propondo é fazer esses ressarcimentos no varejo. Porque ela não muda, não cria uma dupla porta como estão falando. Agora, o que temos que discutir não é um remendo, é um projeto novo de integração entre setor publico e setor privado, de tal forma que quando se olhar para o processo de atenção primária no Brasil se veja os dois sistemas integrados ganhando em sinergia e economia de escala. Tem certas tecnologias muito caras, que precisam de um mínimo de usuários. Então se ao comprar uma tecnologia se consegue atender 100 usuários e só há 10 usuários no setor privado, arruma os outros 90 no SUS, é isso que estou chamando de escala econômica de produção.

FH: E o senhor acha que as PPPs também fazem parte desse remendo?

Vecina: Com certeza. A Parceria Público-Privada é fundamental. O estado brasileiro contrata médicos da mesma maneira que contrata um juiz, só que a justiça anda devagar e os hospitais não podem andar devagar. Usar as mesmas técnicas administrativas para gerenciar diferentes setores da atividade humana está absolutamente errado. Isso podia ser adequado há 30 anos, quando não tinha informática e a média de permanência (no hospital) durante a década de 80 era de 10 dias. Hoje, a média de permanência nos hospitais é de quatro dias. Tudo mudou, mas a gestão pública não mudou, para certas coisas ela pode continuar do mesmo jeito, mas para outras não. Por que não existem mais sistemas de transportes coletivos estatais? Porque o estado é incapaz de fazer essa gestão com a dinâmica necessária para o transporte público, a mesma coisa é no setor saúde. A terceirização da gestão no setor de saúde utilizando o terceiro setor, organização social, Oscip, ou mesmo no caso das PPPs- não está usando nem Oscip nem OS, está usando entidades com finalidade lucrativa para fazer a PPP. Então é irreversível e é necessário.

FH: Com o novo governo, quais são as principais urgências em sua opinião?

Vecina: Financiamento, melhoria da gestão via reforma administrativa e formação de gestores, mudar o modelo assistencial para torná-lo mais adequado para tratar de doenças crônicas urbanas, melhorar a integração entre o setor público e o privado, estimular a indústria da saúde. Estes são os cinco pontos fundamentais.

FH: Ainda falando sobre o SUS, temos um modelo na saúde suplementar que é segmentado por especialidade, pois o usuário escolhe o médico com quem se consultará. No SUS, ainda há uma triagem com um clínico geral. O fortalecimento da atenção primária seria uma solução para a lotação dos hospitais?

Vecina: O errado é a setor privado. O Programa da Saúde da Família (PSF) cobre hoje cerca de 60% da população brasileira. É um imenso “gol”. Agora, o setor privado está começando a descobrir isso, a ser chamado de mais eficiente. Essa mudança, que está sendo operada no setor privado é importante. Ter um clínico geral é o que chamamos de atenção básica. Tudo começa na atenção básica, depois vai para a especialidade e hospital.

FH: Você acha que os médicos que se formam hoje têm essa visão para trabalhar?

Vecina: Uma parte dos médicos é mal formada, outra parte dos médicos é muito especializada e falta formar mais médicos. Então temos três problemas: médicos com formação, mas muitos especializados; médicos muito mal formados em hospitais- escolas muito ruins e sem serem testados durante o internato e residência na rede de atenção básica; e falta de médicos formados. Faltam médicos no Brasil.

FH: Você tem uma carreira extensa na Saúde. Está agora no Sírio-Libanês, já foi secretário, consultor, trabalhou no Ministério da Saúde. Quais são os seus próximos passos, quais são os seus objetivos?

Vecina: Eu quero trabalhar na rede pública, continuar dando aulas na Faculdade de Saúde Pública. Eu sou sanitarista, quero continuar fazendo o que sempre fiz, que é pensar saúde coletiva, discutir a questão da saúde coletiva e gerenciar hospitais. Eu gosto de hospitais.

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