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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Remédios antigos - Água Inglesa

Um pouco de história...

Água Inglesa Catarinense

O proprietário da primeira indústria farmacêutica do Brasil, foi o carioca Luís Felipe Freire de Aguiar. Iniciou seu curso de farmácia em 1869 na Faculdade Nacional de Medicina no Rio de Janeiro, onde logo manifestou decidida vocação e se formou em 1871. Serviu durante o curso no Hospital da Marinha como auxiliar de laboratório, passando depois a ocupar o lugar de segundo farmacêutico. Deixou o posto em 1874, para ter a sua farmácia no antigo Largo de Santa Rita. Associou-se a Farmácia Episcopal, a mais antiga das farmácias do Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar em prol da farmácia brasileira. Em 1877 tornou-se proprietário da Farmácia Episcopal. Devido a vontade de se dedicar exclusivamente a manipulação de alguns preparados especiais de sua composição, que começavam a ganhar confiança, Freire de Aguiar, vendeu a Farmácia Episcopal para montar um laboratório para produzir remédios e perfumaria.

O grande inimigo do aproveitamento das plantas medicinais brasileiras, eram os remédios importados e o preconceito dos governantes e da população quanto a sua qualidade e a eficiência. Como ainda hoje, "o que é importado é melhor". Logo no início, a indústria de Freire de Aguiar, teve de sustentar uma disputa judicial com uma fábrica de produtos medicinais, estrangeira, pois manipulava um produto de fórmula conhecida, e com o nome comercial de "Água Inglesa". No Brasil a distribuição deste remédio era feito pela poderosa "Sociedade União dos Fabricantes Franceses". A Água Inglesa ou da Inglaterra, era um vinho de quina, muito usada como tônico e antiespasmódico. Até 1888 este produto no Brasil era considerada um segredo da família de André Lopes Castro, português, porém sua fórmula já fora escrita na Farmacopéia Tubalense, editada em 1760. Freire de Aguiar estudou vários vegetais da nossa flora, e conseguiu elaborar uma fórmula mais honesta e cientificamente perfeita e obteve a aprovação da sua Água Inglesa modificada. Para que o farmacêutico brasileiro conseguisse comercializar o seu produto precisa de uma autorização da Inspetoria de Higiene, responsável pela qualidade dos medicamentos comercializados no país. Em 20 de outubro de 1888 a Inspetoria Geral de Higiene, expediu uma circular aos seus inspetores de higiene provinciais e aos droguistas declarando: "Que a Água Inglesa julgada por esta inspetoria como a mais adequada a índole dos formulários brasileiros, é a do farmacêutico Freire de Aguiar." Foi o que bastou para que a distribuidora francesa reagisse.

A Sociedade União de Fabricantes Franceses, julgou-se prejudicada em seus interesses no Brasil, e entrou com processo judicial no foro de Ouro Preto contra Freire de Aguiar. O farmacêutico brasileiro, sem nenhum auxílio, teve que arcar com todas as despesas dos processos. Na Farmacopéia Brasileira de Rodopho Albino,1926,na página 979 a Água Inglesa tem a sua formulação registrada. Porém é melhor explicada através de um anúncio do Laboratório Silva Araújo publicado em 1936 na Revista da Associação Brasileira de Farmácia: "A Água Inglesa é fórmula excelente e clássica que todos os fabricantes de produtos farmacêuticos se vêem na obrigação de preparar, apresentando-a com pequenas variantes e peculiaridades, embora contendo os mesmos componentes primordiais: a quinina, o álcool, plantas de propriedades tônicas e anti-febris. A Água Inglesa é um aperiente, febrífugo e tônico bem indicado nas doenças febris arrastadas, nas anemias e nas convalescenças de doenças infecciosas e febris." Hoje o produto de marca Água Inglesa é de fabricação do Laboratório Catarinense e indicado pelo laboratório para a lactação. Pelos dados transcritos podemos assegurar que este é um medicamento fitoterápico tradicional no país. Mesmo em se considerando as possíveis variações na formulação original. Depois de vencer todas as batalhas pela sua "Água Inglesa modificada", Freire de Aguiar voltou ao Rio de Janeiro e fundou um outro laboratório na rua General Câmara, mais tarde mudou seu estabelecimento para a rua Conde de Bomfim.

Neste novo estabelecimento cedeu ao insistente convite do seu colega e amigo farmacêutico Paulo Barreto e organizou, em 1890 a "Companhia Química Industrial da Flora Brasileira", da qual ficou apenas com o cargo de técnico. Em pouco tempo, dois anos, Freire de Aguiar viu o seu bem montado estabelecimento pedir falência. Nesta época sua indústria já tinha cem produtos, sendo muitos da flora nacional e outros de matéria prima estrangeira. Numa série de artigos publicados em jornais no Rio de Janeiro, moveu honesta campanha contra produtos falsificados, nacionais e estrangeiros. Tinha por hábito exibir farta documentação provando suas afirmações. Em análises realizadas nos laboratórios oficiais, e pessoalmente, provava a inequidade de vários produtos importados, entre os quais o Elixir Alimentício de Ducro, que não continha nenhuma substância alimentar. Chapoteaut, farmacêutico francês, fabricou um preparado em que deveria entrar a pepiona; pelo exame realizado por Freire de Aguiar, na presença de médicos, farmacêuticos e jornalistas, provou que o elixir, que chegava as prateleiras das nossas farmácias, não possuía nem sombra de carne. Em outra ocasião em sua farmácia, uma senhora pediu um vidro de xarope de Forget. Momentos depois, essa senhora voltou muito aflita, porque sua filha estava envenenada. Examinando o medicamento, verificou que continha alta dose de cloridrato de morfina. Não deixou de comentar o ocorrido com as autoridades da Inspetoria de Higiene e tão pouco voltou a comprar o dito remédio importado.

Em 17 de outubro de 1903, com grande alarde social, Freire de Aguiar, inaugurou na rua Senador Euzébio a sua fábrica de produtos extraídos da hulha. Nesta ocasião o Dr Luís Felipe não deixou por menos e realizou a vista dos presentes uma experiência interessante: Em um tubo de vidro, de 15 litros, colocou algumas larvas de mosquitos, derramou algumas gotas do produto de sua fabricação o Phenogeno. Imediatamente as larvas morreram, ficando provado a grande importância do produto na desinfecção de águas estagnadas e depósitos de água, onde se desenvolvem as larvas dos mosquitos, que transmitem doenças como a febre amarela. Os desinfetantes obtidos da destilação de hulha, muito auxiliaram no combate a várias epidemias, principalmente a do Maranhão, em que o Phenogeno, cujo preço era inferior ao fenol, auxiliou a debelar o surto de peste bubônica.

Freire de Aguiar inventou e patenteou um aparelho a que denominou de "Simplex", para ser adaptado as caixas de descarga dos vasos sanitários, lançando em cada descarga a dose exata de desinfetante. Também planejou e executou dispositivos para a desinfecção de banheiros públicos e carroças de lixo. Nem com todos estes benefícios sociais viabilizados pelos seus produtos, deixou o Dr Luís Felipe de ter mais uma questão judicial, e desta vez com o inglês, Ed William Person com relação a marca da Creolina, pois o autor da "Creolina Pearson", entendia que nenhum outro fabricante poderia usar o referido nome que o industrial britânico havia patenteado. Freire de Aguiar teve que provar que o nome "Creolina" era genérico, encontrando-se em diferentes formulários e o supremo tribunal brasileiro, determinou que a Creolina brasileira poderia se chamar "Creolina Freire de Aguiar", ficando proibido aos demais fabricantes nacionais o uso deste.

Todos os seus produtos, entre os quais Água Inglesa, Xarope de Rabano iodado, Elixir Alimentício, Magnésia fluida, entre outros, tinham ótimo conceito na classe médica e o elixir de Jurubeba, mereceu do Dr. Domingos Freire, um parecer honroso, pois conseguiu regularizar de modo científico a preparação de Jurubeba que sempre tinha irregularidade no preparo. No governo de Prudente de Morais, sendo ministro da fazenda, Bernardino de Campos, (1897), Freire de Aguiar manifestou-se, pedindo proteção para a indústria farmacêutica nacional, que nesta época não tinha um número significativo de estabelecimentos. A primeira Magnésia fluida fabricada no Brasil foi de autoria de Freire de Aguiar, ao tempo em que a única existente no mercado era a de Dinnefori, francesa. Suas incansáveis campanhas contra produtos estrangeiros, provocou severa fiscalização das autoridades sanitárias, e isso fez com que muitas destas fábricas se instalassem no Brasil. Entre estas a fabricante da Magnésia Fluida de Murray. A indústria farmacêutica de Freire de Aguiar foi uma das primeiras a se interessar em fabricar extratos fluidos, principalmente de plantas nacionais, sendo que usava com êxito comprovado na sua especialidade. No elixir anti-ascítico usava uma planta da flora brasileira que de fato agia especificamente no caso de ascite, tornando desnecessário as incômodas punções, que não impediam a repetição das crises. Os esforços do Dr Luís Felipe Freire de Aguiar, para que a industria farmacêutica nacional florescesse não foram em vão, já nas primeiras duas décadas deste século a cidade do Rio de Janeiro tinha 512 farmácias, 143 drogarias, 100 laboratórios e depósitos e 47 ervanárias.

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