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sábado, 31 de dezembro de 2011

Transexuais lutam para que essa condição não seja considerada uma doença

Na infância, eu achava que poderia ir vestida de menina para a escola, mas não foi isso que aconteceu. Sofri muito'
Carla Amaral, integrante da Associação de Travestis e Transexuais de Curitiba  (Arquivo Pessoal)
Na infância, eu achava que poderia ir vestida de menina
 para a escola, mas não foi isso que aconteceu.
Sofri muito" Carla Amaral, integrante
da Associação de Travestis e Transexuais de Curitiba
A ciência não conhece as causas, mas algumas pessoas nascem com a fisiologia de um gênero oposto àquele com o qual se identificam

Quando Carla Amaral tinha 11 anos, o assunto do momento era Roberta Close, travesti considerada, à época, a mulher mais bonita do Brasil. Ao ver as coleguinhas irem para a escola usando saias e com enfeites no cabelo, Carla, que nasceu em corpo de homem, sofria muito. “Acreditava que eu também poderia ir daquele jeito, mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu. Tinha de ir vestida de menino e me lembro que chorava muito na sala de aula”, recorda.

Hoje uma das diretoras da Associação de Travestis e Transexuais de Curitiba, Carla, 38 anos, conta que a frustração não fez com que desistisse de querer se adequar ao gênero feminino. “Aos 15, eu já tinha começado o meu tratamento hormonal e usava roupas conforme minha identidade já definida, meu desejo de viver”, diz. Embora ainda não tenha passado pela cirurgia de transgenitalização, ela se orgulha do registro civil, no qual aparece como mulher. “A aceitação em relação ao gênero com o qual sempre me identifiquei aconteceu naturalmente”, diz.

O caso de Carla encaixa-se em uma patologia denominada transtorno da sexualidade e de gênero, classificada pela Organização Mundial da Saúde e pela Associação Psiquiátrica Americana. Entre especialistas e transexuais, porém, essa é uma caracterização polêmica. Especula-se que a origem seja genética, mas a pergunta que atormenta pesquisadores é: por que definir e diagnosticar um gênero? Para muitos, é necessário despatologizar a transexualidade, uma façanha alcançada, até agora, somente pela sociedade francesa.

No Brasil, o problema de desassociar essa condição de uma doença é que, assim, os transexuais perderiam o direito de receber tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Justamente por se considerar uma patologia é que, no país, as cirurgias e a terapia à base de hormônios, procedimentos autorizados desde 1997 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), são realizados pelo SUS. Para ganhar os medicamentos e se candidatar à operação de mudança de sexo, o indivíduo tem de obedecer aos critérios estabelecidos por uma resolução do conselho, que inclui a necessidade de acompanhamento por psiquiatras, psicólogos, endocrinologistas, cirurgiões e assistentes sociais, com laudo emitido pelo psiquiatra, referendando a transgenitalização.

A obrigatoriedade de se diagnosticar o gênero divide as opiniões. O Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio do Manifesto pela Despatologização das Identidades Trans, comunica que não concorda de que se associe a condição com uma doença, ressaltando que o processo de medicamentos e cirurgias não deve ser condicionado a um diagnóstico psiquiátrico. “Defendemos o princípio da integralidade do SUS, considerando uma concepção positiva da saúde, em que a mesma não é sinônimo de ausência de doença, e, sim, do bem-estar biopssiquicossocial das pessoas”, explica o órgão, por meio da assessoria de imprensa. “Estudos de gênero e as próprias experiências vividas por pessoas transexuais demonstram que a concepção binária de gênero presente no Ocidente e o alinhamento entre sexo, gênero e desejo não é algo natural”, afirma o CFP.

IndividualidadeSegundo a psiquiatra, fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (FMUSP) Carmita Abdo, todo o processo de acompanhamento é importante para prevenir erros de procedimentos e consequências negativas. “O que caracteriza a transexualidade é um desconforto importante em relação ao próprio corpo e a necessidade irredutível de compatibilizar esse corpo com a identidade de gênero que o indivíduo tem de si próprio”, explica.

De acordo com Abdo, há situações em que, à primeira vista, esse parece ser o quadro. Entretanto, com o acompanhamento verifica-se que se trata de outra condição, a qual requer outro tipo de procedimentos. Para os transexuais, o tratamento consiste, atualmente, de psicoterapia por pelo menos dois anos, um pré-requisito para a cirurgia, hormonioterapia e, por fim, a operação de mudança de sexo. A especialista explica que um dos objetivos da psicoterapia é reconhecer as características individuais de cada transexual. Ela comenta que, em alguns países, quando se tem certeza da existência da condição de transexual, a hormonioterapia é iniciada antes mesmo da idade adulta. Dessa forma, o indivíduo cresce já produzindo os hormônios do gênero com o qual se identifica, algo que, no Brasil, é proibido.

“Aqui, não existe nenhuma proposta de despatologização da transexualidade. Existem apenas alguns trabalhos focais no Rio de Janeiro e em Minas Gerais”, lamenta o sociólogo Manoel Neto, que pesquisa o tema. Provavelmente, no próximo ano, o assunto será mais debatido, porém.

A campanha mundial Stop Trans Pathologization 2012, que tem representantes e simpatizantes em todos os continentes, pretende intensificar sua atuação. Entre os objetivos da plataforma ativista estão retirar o transtorno de identidade de gênero dos manuais psiquiátricos, acabar com os tratamentos de normalização binária, garantir o acesso — sem um diagnóstico prévio especializado — aos tratamentos com hormônio e cirurgias, e oferecer cobertura universal ao processo de readequação de sexo/gênero, além de combater a transfobia e lutar pela retirara da obrigação de se mencionar o sexo nos documentos oficiais.

Fonte Correio Braziliense

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